quinta-feira, 5 de julho de 2007

As velas do Mucuripe - Primeira edição

Onde um dia existiu uma vila de pescadores, agora se encontram prédios de luxo e barracas de praia.

Seu José Soares sai de casa à tardinha. Não tem mais que pescar: após mais de 60 anos de carreira é um aposentado. Para chegar ao Mucuripe, de onde toda sua família ainda tira o sustento, ele é obrigado a pegar dois ônibus, pois agora reside no Curió, onde seu vizinho não é mais outro pescador, mas um mecânico de automóveis.
Por muito tempo foi diferente, ele morava na própria região do Mucuripe, onde cresceu jogando bola na areia da praia e aprendendo os mistérios da pesca com o pai. Quando a região ficou valorizada devido à especulação imobiliária, seu barraco foi destruído e ele, expulso do lugar onde passou a vida inteira.
Seu José não foi o único; quando a região valorizou-se a maioria dos residentes, grande parte formada por pescadores, foi retirada daquele local. Sem recursos ou apoio de qualquer entidade, foram obrigados a residir em pontos diversos por toda Fortaleza.
Segundo Possidônio Soares Filho, presidente da colônia dos pescadores Z8, esse fato se iniciou na década de 60 com a construção da Avenida Beira Mar e a demolição de numerosos barracos. Era o início de uma incrível mutação: onde existiam habitações de baixa renda, agora há arranha-céus de luxo. Nem a própria sede da colônia resistiu ao processo especulativo da região; um plebiscito decidiu que o terreno da entidade seria vendido e sua transferência se daria para a região da Praia do Futuro, afastando-se dos pecadores que tem a função de representar.
Segundo o presidente da colônia, esse é um processo sem volta. Uma vez que a área é muito cara e valorizada, os pescadores não teriam condições de readquiri-la e mantê-la. Assim o jangadeiro fica cada vez mais distante do seu local de trabalho, perdendo o contato com suas raízes culturais e afetivas.
A cidade também se vê prejudicada com a retirada do jangadeiro daquela região. Com a diminuição no número de jangadas que navegam naqueles mares, se perde um dos principais cartões postais da Terra do Sol – as velas do Mucuripe, agora eternizadas apenas nos versos de Fagner.
Seu José teme pelo fim da atividade pesqueira na região, pois acredita que em breve não existirá espaço em que o jangadeiro possa manter sua jangada; reclama ainda da falta de apoio da Prefeitura e até mesmo da colônia de pescadores, a qual tem função meramente jurídica. Já o presidente da colônia acredita que, por mais distante que o jangadeiro possa estar do seu local de trabalho, a atividade se manterá por muito tempo, já que o terreno na orla é de posse da União. Lembrou ainda que a Prefeitura ajudou a financiar a construção de uma “casa de apoio ao jangadeiro”, que serve para depósito de materiais, ao lado das barracas de venda de peixe.
Além das questões territoriais, outro ponte que leva as velas do Mucuripe a um sepultamento em arquivos fotográficos, é o distanciamento que os descendentes dos antigos jangadeiros vêm adquirindo da forte cultura que era representada pela vila de pescadores. Longe do mar os mais jovens já não têm oportunidade de aprender o ofício, tradicionalmente transmitido de pai para filho.
Por enquanto seu José ainda pode acompanhar na beira-mar a volta dos filhos de mais um dia de pesca, conversar com os amigos de longa data e apreciar a bela vista, a mesma apreciada pelos turistas proporcionada pelas jangadas que resistem no Mucuripe.


por Livino Neto

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